Uma observação cada vez mais prevalente é a coexistência entre morbidades intestinais e tireoideanas. A Tireoidite de Hashimoto, principal causa de hipotireoidsimo, e Doença de Graves, responsável pela maioria dos casos de hipertireoidismo, são dois tipos de condições autoimunes que afetam o funcionamento da tireóide e, na maior parte dos casos, estão acompanhadas de Doença Celíaca ou sensibilidade não celíaca ao glúten, ambas envolvendo um componente inflamatório intestinal importante. E os mecanismos que relacionam essa coexistência envolvem, em grande parte, a microbiota intestinal.
As bactérias que habitam o intestino têm uma atuação importante na regulação e na homeostase do sistema imune. Mais de 70% das estruturas imunológicas estão situadas no tecido linfático associado ao intestino, e a microbiota intestinal apresenta papel fundamental no desenvolvimento da função das células imunes, predispondo uma maior tolerância imunológica ou um ambiente mais pró inflamatório. Os ácidos graxos de cadeia curta produzidos pela metabolização das fibras por algumas bactérias, por exemplo, estão associados ao aumento da concentração de células T reguladoras (garantindo maior tolerância) e redução de Th17, que tem característica mais pró inflamatória.
É válido lembrar que doenças autoimunes se caracterizam por alguma “agressão” do sistema imune às estruturas próprias do corpo, quando, na realidade, o papel desse sistema é proteger o organismo daquilo que não é próprio. Logo, o aumento da tolerância e redução da reatividade imunológica são pontos fundamentais na prevenção e controle de doenças autoimunes, e a microbiota intestinal parece ter papel importante nisso. Além disso, uma microbiota saudável garante maior proteção à barreira intestinal, que é fundamental para evitar o aumento de sua permeabilidade. Um intestino permeável permite a passagem de antígenos (substâncias não próprias) que podem ativar excessivamente o sistema imune, trazendo um estímulo extra para o desenvolvimento e progressão de doenças autoimunes.
Além de ser fundamental para proteger o organismo da entrada de substâncias que podem aumentar o estado de inflamação, um intestino íntegro, com pleno funcionamento e microbiota saudável é necessário para a correta absorção dos nutrientes. Iodo, ferro e cobre são parte dos “ingredientes” para a síntese dos hormônios da tireóide, e sem zinco e selênio esses hormônios não conseguem ser ativados para exercer suas funções. Todos esses micronutrientes costumam estar em deficiência quando há alguma doença que afeta a tireóide, e a microbiota parece afetar o processamento (absorção) desses nutrientes. Ademais já foram observadas algumas correlações entre algumas cepas de bactérias e níveis de micronutrientes chaves para o funcionamento tireoidiano: menores níveis de Lactobacillus e Bifidobacterium, por exemplo, apresentam correlação com níveis diminuídos de selênio e zinco.
A ligação tireóide - intestino fica ainda mais clara quando são observados os efeitos benéficos do uso da suplementação de probióticos nos níveis hormonais e na função tireoidiana. Vale lembrar que os probióticos consistem em microorganismos que, quando ingeridos na dose adequada, são capazes de colonizar o intestino e trazer benefícios ao seu hospedeiro. Por exemplo, um estudo que fez a combinação da suplementação de probióticos com prebióticos - que são o alimento para o crescimento das bactérias benéficas - em pacientes com hipotireoidismo, teve como resultados melhora nos níveis de TSH e redução da dose necessária do medicamento utilizado para controle da condição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Knezevic, J., Starchl, C., Tmava Berisha, A., & Amrein, K. (2020). Thyroid-Gut-Axis: How Does the Microbiota Influence Thyroid Function? Nutrients, 12(6), 1769. doi:10.3390/nu12061769
Fröhlich, E., & Wahl, R. (2019). Microbiota and Thyroid Interaction in Health and Disease. Trends in Endocrinology & Metabolism. doi:10.1016/j.tem.2019.05.008