Como já falamos diversas vezes por aqui, o microbioma intestinal é um ecossistema complexo que confere benefícios ao hospedeiro quando em equilíbrio, mas que pode ser afetado pela idade, medicamentos, dieta, tabagismo e álcool. Com as festas de final de ano e confraternizações chegando, o consumo de bebida alcoólica costuma aumentar, impactando diretamente na microbiota intestinal.
A primeira linha de contato com qualquer coisa ingerida ocorre através do trato gastrointestinal (TGI). Pensando nessa forma, o álcool, principalmente quando consumido cronicamente ou em grandes quantidades, induz um processo inflamatório que se inicia no intestino e pode ser a causa para disfunções em diversos outros órgãos, como doenças hepáticas, doenças neurológicas e câncer gastrointestinal.
Para entendermos a ação do álcool sobre a microbiota, é fundamental compreender o que ocorre com o organismo assim que o álcool é absorvido.
Metabolismo do álcool
Após ser absorvido na parte superior do trato intestinal, o álcool entra no fígado pela veia porta, local onde maior parte do seu metabolismo irá ocorrer. Em indivíduos que ingerem bebida alcoólica de maneira social, ou seja, uma média de duas bebidas padrão (0,8 g/kg), o organismo irá processar o álcool sem efeitos deletérios, através de um processo chamado conversão oxidativa. O álcool será convertido em acetato ao final do processo.
Contudo, quando o corpo precisa processar grandes quantidades de álcool, a via sistema microssomal de oxidação do etanol entra em ação, levando a produção de radicais livres e consequentemente, dano celular, além de possíveis efeitos colaterais como alterações na coordenação motora, náuseas, vômitos, amnésia, anestesia, coma e até mesmo morte.
Microbiota intestinal e álcool
A homeostase do microbioma ocorre quando a proporção de bactérias benéficas e bactérias patogênicas estão adequadamente equilibradas. A perturbação desse equilíbrio é o que chamamos de disbiose.
O álcool no intestino é capaz de promover disbiose e supercrescimento bacteriano, aumentando a liberação de endotoxinas produzidas por bactérias gram-negativas. Esses metabólitos ativam o sistema imunológico, promovendo uma inflamação. Um exemplo da correlação entre o álcool e as alterações na composição microbiana envolve a diminuição das cepas de Lactobacillus e Bifidobacterium (bactérias boas) e o aumento das concentrações de proteobactérias e bacilos (bactérias patogênicas).
Por outro lado, as bactérias também possuem a capacidade de produzir acetaldeído no cólon. Em casos de supercrescimento bacteriano induzido pelo álcool, essas bactérias em excesso podem metabolizar o álcool de maneira independente, aumentando a produção de metabólitos pró-inflamatórios, diminuindo as bactérias anti-inflamatórias e assim aumentar o risco de inflamação.
A barreira intestinal também é afetada durante o consumo excessivo de álcool. Sua função principal envolve regular a passagem de substâncias entre o trato gastrointestinal e a corrente sanguínea. Nesse caso, o álcool é capaz de interferir na regeneração das células epiteliais e nas junções/espaços entre as células, aumentando a permeabilidade intestinal.
Um intestino permeável ativa o sistema imunológico, gera uma inflamação sistêmica que produz citocinas que podem atingir o cérebro, induzindo a inflamação dessas células, transtornos de humor, fadiga, incapacidade de concentração e dificuldade de interação social.
Todas essas alterações contribuem para o dano hepático, doença hepática alcoólica e não alcoólica, doença de Crohn, colite ulcerativa, síndrome do intestino irritável, doenças cardiovasculares, câncer, déficit neurológico, depressão, ansiedade e deficiência de algumas vitaminas e minerais.
Vale lembrar que devemos comemorar sempre com moderação e sem abrir mão da nossa saúde e bem-estar físico e mental. Um homem adulto consegue metabolizar até 3 doses (copo, cálice ou lata) de álcool em um dia, enquanto a mulher adulta metaboliza cerca de 2 doses.
Referências:
WANG, Shao-Cheng et al. Alcohol Addiction, Gut Microbiota, and Alcoholism Treatment: a review. International Journal Of Molecular Sciences, [S.L.], v. 21, n. 17, p. 6413, 3 set. 2020. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/ijms21176413.
TEMKO, Jamie E. et al. The Microbiota, the Gut and the Brain in Eating and Alcohol Use Disorders: a ⠸ménage à trois⠹?. Alcohol And Alcoholism, [S.L.], v. 52, n. 4, p. 403-413, 8 maio 2017. Oxford University Press (OUP). http://dx.doi.org/10.1093/alcalc/agx024.
MERONI, Marica et al. Alcohol or Gut Microbiota: who is the guilty?. International Journal Of Molecular Sciences, [S.L.], v. 20, n. 18, p. 4568, 14 set. 2019. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/ijms20184568.